COMO SE ESCREVESSE UMA CARTA DE AMOR EM UM EDIFÍCIO EM CHAMAS
Primeiro exercício:
... como na lição do velho Jota Cheever, amigo platônico incrível, mas sem exercícios de estilo [ou perobices de gênio], ora, caray, aqui vale a cremação e os degraus do desespero, aqui vale a escada inútil, aqui vale o fogo nas vestais, nas vagabas e na mulher-abismo, como se escrevesse com sangue e gasolina o próprio incêndio, e ainda sobrasse fogo para o isqueiro do idílio, o último cigarro, o último gole, o último suspiro de Caryl Chessman, como se escrevesse uma carta de amor expressionista, depois daquela festa, uma missiva certeira, como um tiro de marido traído, uma escrita-réptil, sem deixar rabos, uma carta ridícula, brega, como todas as outras, selada ao cuspe da derradeira punheta, a carta ali, no lambuzo da existência, longe do alcance da maldita, na febre do rato, na peste bubônica, na urgência de quem extrai uma bala, alojada no osso de um crânio cuidado frágil.
Escrito por xico sá às 00h27
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TRILOGIA SUJA DE SAMPA, PARTE II
Hoje, quarta-feira, 14, pós-ressaca patriótica e pré-feriadon, rola a segunda parte da sensacional e inimitável Trilogia Suja de Sampa. Das 22h até beber a luja na sarjeta. Clarah Averbuck, Alex Antunes e este escriba que vos sopra a nuca comandam o espetáculo mais enlameado da cidade. Atenção senhores bardos e senhoritas musas: não,não é sarau. É prosódia beat contemporânea, free style, jazz de letra, enfim, lama falada e nado sincronizado no seco. É festa. E hoje o tema é quente: Drogas & Criação. O convidado especial da noche é Alexandre Matias, grande hombre do ramo. Na discotecagem, Alessandro Psycho e Matias, o próprio. Adonde? No Studio SP, um lugar do caralho, como cantaria meu amigo Wander. Fica ali na r. Inácio Pereira da Rocha, 170, vida madalena, pois pois. Todos lá e dá-me viño que a vida é nada.
Escrito por xico sá às 15h44
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PELA VOLTA DA CARTA DE AMOR
A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, despeço-me por aqui, papel pautado, pelos Correios, portadores ou menino de recados. A carta, como canta o rei Roberto, escreva uma carta de amor, e diga alguma coisa por favor.
Pela volta da carta de amor.
Chega de emails lacônicos e apressados. Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue.
Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem.
A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações.
O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote. Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório.
Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas e internéticas e atire a garrafa aos mares. Uma boa carta de amor é irresistível. Mas não vale copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com a língua, como nas antigas, lamba os selos, esse pré-beijo dos lábios da futura amada.
De novo Pessoa, para encorajá-los mais ainda: “As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”.
Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura.
Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que recebi outro dia de Fábio Victor, escriba e amigo do Recife que habita a velha e fria Londres.
Que os amigos,e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida.
Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.
O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.
Um namoro, romance ou cacho somente à base de emails não se sustenta, mais parece uma troca de ofícios, “venho por meio desta”, uma troca de protocolos, mensagens comerciais. Um amor sem uma troca de cartas, nem que seja bem rápida, ainda não é amor... O que você está esperando? Vamos lá, cabrón, adelante chica, papel, tinta e derramamento, faz favor!
Escrito por xico sá às 20h45
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